Expedição científica, uma parceria do Instituto Mamirauá e WWF-Brasil, fez testes para refinar o emprego da tecnologia na contagem dos golfinhos de água doce
Cento e dez quilômetros voados sobre rios e lagos na Amazônia. Cinquenta vídeos gravados, tomadas aéreas com cenas inéditas de observação e comportamento de botos, somando mais de dez horas de material para análise. Pesquisadores do Instituto Mamirauá e do WWF-Brasil concluíram, nessa terça-feira (20), a segunda expedição para testar a contagem de botos amazônicos com uso de drones.
Por cinco dias, eles percorreram longos trechos na extensão e entorno do rio Jarauá, no interior das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, estado do Amazonas. A região é morada de botos-vermelhos (Inia geoffrensis) e tucuxis (Sotalia fluviatilis), focos da pesquisa. No período, foi registrada mais de uma centena de observações de botos, unindo a contagem tradicional com a captação de imagens por drones.
“Para a pesquisa, o uso de drones é um avanço muito grande, que tem facilitado e tornado muito mais ágil a obtenção de resultados sobre os botos”, considera Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos da Amazônia do Instituto Mamirauá.
Habitantes de águas turvas, os botos amazônicos são difíceis de serem vistos e estudados em natureza. As aparições na superfície, momento em que respiram, são rápidas e mostram somente partes de sua anatomia. Frustação para espectadores comuns e um enorme desafio para os pesquisadores, mesmo os mais experientes, na missão de entender e planejar estratégias de conservação para esses animais.
Para filmar, de cima, o habitat dos golfinhos de água doce, os drones se apresentam como uma alternativa tecnológica viável para as atividades de contagem e monitoramento das espécies. Possibilidade cada vez mais concreta com o avanço dos testes feitos em parceria pelo Instituto Mamirauá – unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – e WWF-Brasil.
O especialista em conservação do programa Amazônia do WWF-Brasil, Marcelo Oliveira, aponta que o “ponto-chave dessa expedição foi refinar a metodologia de uso de drones, o que conseguimos depois de muitos testes, discussões e voos com o equipamento, que mostraram na prática o que funciona”.
Como funciona o método
A bordo de pequenos e velozes barcos a motor, popularmente conhecidos como “voadeiras”, a equipe fez novos testes para contar botos em trechos de rio. Em uma voadeira, vão os observadores: dois na proa (a parte da frente do barco) e um na popa (a parte de trás). São eles os responsáveis por olhar e registrar avistamentos de botos, que é a maneira tradicional de contagem, a 100 metros de uma das margens do rio.
Do alto, a 20 metros acima das cabeças dos pesquisadores, sobrevoa o drone, cujo controle é feito por outra equipe em uma segunda voadeira. Seres humanos e máquina cumprem juntos um trajeto de dois quilômetros ao longo da margem, chamado de “transecto”, em tempo e velocidade iguais. Cada teste dura em média treze minutos, quando é feito o pouso e a troca de bateria do drone e tem começo um novo transecto.
“Estamos fazendo um experimento mais controlado, para tentar utilizar as imagens do drone como um fator de correção do método tradicional, que a gente usa para estimativa populacional de tucuxis”, diz a pesquisadora do Instituto Mamirauá, Daiane da Rosa e uma das organizadoras das expedições. “Essa tecnologia pode elucidar alguns pontos que, durante a observação, nós não conseguimos. Como a formação de grupos de botos, qual é o tamanho daquele grupo, se duas ou três observações vistas pela proa podem ser ou não o mesmo grupo de indivíduos”.
Ecodrones
Os testes fazem parte do projeto Ecodrones, que utiliza as aeronaves não tripuladas para monitoramento de vida silvestre em diversas regiões do Brasil. Na Amazônia, a investigação com botos é pioneira e mira em um problema para a conservação das espécies: a carência de dados sobre densidade e a abundância desses animais.
Na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (em inglês, IUCN), o tucuxi e o boto vermelho aparecem como “dados insuficientes”, pela falta de informações como estimativas populacionais e taxas de mortalidade e natalidade.
Parceria internacional
A pesquisadora Miriam Marmontel ressalta a necessidade de desenvolver e difundir o uso de novas tecnologias, como os drones, nas pesquisas com botos em outras partes da Amazônia. “Não basta olhar um rio e fazer uma estimativa para a Amazônia inteira. São várias regiões que tem que ser amostradas pra gente ter um dado geral da estimativa. É uma informação muito importante para saber o status de conservação das espécies”, diz.
“Para tratar desse tema, a Fundação Omacha está em contato e parceria com o Instituto Mamirauá e WWF para ajustar o fator de correção da estimativa populacional dos botos”, afirmou o biólogo da Fundação Omacha, Ferderico Mosquera, que integrou a expedição. “Eu participei da expedição para aprender a metodologia dos drones para replicar em outros países sul americanos como Colômbia, Equador, Peru, Bolívia. É muito valioso aprender com os colegas que trabalham há mais tempo na área”.
Texto: João Cunha