Força aérea portuguesa vai liderar a primeira experiência europeia de utilização de aeronaves não tripuladas no controle da imigração clandestina no mar Mediterrâneo
Fonte: Jornal Público
Força aérea portuguesa vai liderar a primeira experiência europeia de utilização de aeronaves não tripuladas no controle da imigração clandestina no mar Mediterrâneo. O concurso internacional aberto em Abril atraiu algumas das maiores empresas europeias de defesa e segurança. A expectativa era grande, dados os valores envolvidos (dez milhões de euros), uma parte substancial do reforço orçamental com que a União Europeia dotou a agência responsável pela segurança marítima, EMSA. Esta pequena agência, com sede em Lisboa, no Cais do Sodré, recebeu para 2017 mais 22 milhões de euros
de dotação comunitária (o que significa um aumento de quase 50% nas verbas que geria) precisamente para poder contratar equipas de controladores de drones para as zonas identificadas como carenciadas deste tipo de vigilância.
Quando a EMSA abriu o concurso, a Força Aérea Portuguesa, que desenvolve um projeto com drones desde 2006, decidiu concorrer. Foi preciso que o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, autorizasse, desde logo. Com o “sim” do governante, explica o coronel Passos Morgado, que acompanha o projecto desde o início, a participação neste concurso encaixava como uma luva “nos objectivos do programa da Força Aérea”. Precisamente porque permitiria dar o salto para um ambiente operacional numa tecnologia usada, sobretudo, em testes.
Por ser a primeira vez que uma agência europeia, civil, se preparava para adquirir estes aviões não tripulados, usados quase exclusivamente em contexto militar, e dados os concorrentes de peso, não havia muitas expectativas quanto à vitória. Mas ela acabou por acontecer, e já foi oficialmente consagrada no jornal da União Europeia, há pouco mais de uma semana.
Este ponto é importante: foi preciso esperar que acabasse o período de contestação dos resultados do concurso. Oficialmente, nenhum dos consórcios concorrentes avançou para a impugnação. Mas houve quem expressasse críticas à participação de uma entidade pública de um Estado-membro, a Força Aérea, num concurso que as empresas vêm como exclusivamente destinado a privados.
Uma das queixas que o PÚBLICO ouviu de uma empresa fabricante de drones é que o preço apresentado pela Força Aérea neste concurso seria sempre imbatível por ser financiado pelo Orçamento do Estado português. A EMSA não vê as coisas dessa forma e esclarece que a Força Aérea apenas lidera um consórcio, que tem mais duas empresas privadas (portuguesas), a UA Vision e a Deimos Engenharia.
Nova política europeia
A EMSA não vai comprar os drones, apenas alugar a sua disponibilidade. Isto porque, explica Leendert Bal, o director de operações da agência europeia, “esta é uma tecnologia em constante evolução, que rapidamente se torna obsoleta, pelo que não faz sentido comprar o equipamento”. Neste caso, os aparelhos são de uma empresa portuguesa, a UA Vision. Mas a maioria dos membros da equipa que estará no terreno, a controlar os drones e a recepção dos dados, pertence aos quadros da Força Aérea.
Quando começarem as operações a sério, em Março do próximo ano, estarão disponíveis dois drones de até 20 quilos, com capacidade para filmar em vídeo e recolher outro tipo de informações sobre o que se passa no mar, até um limite de 50 quilómetros da linha de costa.
Não será a sua única tarefa (talvez nem a principal), mas estas equipas da Força Aérea poderão vir a ser chamadas para testar a primeira utilização de drones nas operações de vigilância das rotas de imigração no Mediterrâneo. Se a nova Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia, criada em Novembro em substituição da Frontex, decidir que estes meios são úteis, pode requisitar à EMSA, em Lisboa, o envio de uma frota de drones para algum dos pontos sensíveis do Mediterrâneo, como as ilhas italianas da Sicília ou Lampedusa, ou para a Grécia.
Se assim for, a Força Aérea enviará uma equipa de quatro elementos, uma estação móvel e dois drones. Cada um destes homens tem uma responsabilidade concreta: o operador, que define e mantém o plano de voo, é o “piloto”; o operador de sensores regista, trata e transmite a informação recolhida pelos drones na estação em terra e torna-a acessível à EMSA (que, por sua vez, a envia à Guarda Europeia); o “safety”, que coordena a operação e é responsável pela descolagem e aterragem do drone; e, por último, o mecânico, que é o único civil desta equipa, dos quadros da UA Vision, que dá apoio à operação e é responsável pela manutenção dos aparelhos.
A União Europeia decidiu, nos últimos meses, responder à pressão migratória com um novo “pacote de fronteiras” que inclui, entre vários outros pontos polémicos, a utilização de meios militares nas operações contra a imigração no Mediterrâneo. As costas da Itália e da Grécia já estão a ser patrulhadas por frotas navais europeias, com o auxílio da marinha da NATO. Esta nova política de controlo de fronteiras é o tema do primeiro trabalho da equipa de jornalistas Investigate Europe, que o PÚBLICO integra com vários outros jornais europeus. O principal trabalho desta investigação jornalística, realizada nos últimos dois meses, será publicado neste domingo.
A mudança nas atribuições, e no orçamento, da EMSA é apenas um pormenor desta nova política europeia. Criada em 2004, após os derrames de dois petroleiros nas costas da UE (o Erika e o Prestige), a agência é uma das mais discretas no panorama europeu. Mas, recentemente, depois da crise dos refugiados, ganhou um protagonismo diferente. As informações que a equipa de Leendert Bal recolhe na sua “sala de controlo”, no Cais do Sodré, em Lisboa, tornaram-se essenciais para as autoridades que fazem o patrulhamento do Mediterrâneo.
Um radar em Lisboa
Numa das salas do edifício, desenhado pelo arquitecto Manuel Tainha, que parece terminar com um cubo suspenso sobre o Tejo, estão quatro operadores da EMSA a controlar todos os movimentos de navios e embarcações na costa europeia. O Mediterrâneo está em primeiro plano no ecrã projectado na grande parede, em frente dos operadores. “Nós somos um fornecedor de informação para a Frontex”, explica-nos Leendert Bal. Ao Cais do Sodré chegam as imagens de satélite recolhidas pela Agência Espacial Europeia, a que a EMSA junta as suas próprias informações sobre a identificação, trajecto, destino e carga dos navios. Isto serve para que a Guarda de Fronteiras Europeia faça uma triagem de quais os navios que devem merecer a sua atenção, por poderem transportar imigrantes ilegais.
Os drones, que a Força Aérea vai comandar a partir de 2017, fazem parte dessa estratégia, explica o director da EMSA: “O mar é enorme e é sempre um desafio percebermos o que lá se passa. Precisamos de toda a informação que pudermos ter. Seja por navios, aviões, drones ou satélites… Eu encaro tudo isso como uma caixa de ferramentas. É bom que tenhamos uma imagem precisa daquilo que procuramos, neste caso de migrantes.”
Os drones têm outra vantagem, explica Bal. Como não são tripulados, não colocam em risco a integridade de nenhum membro da equipa, “caso alguma coisa corra mal”. E conseguem permanecer em cima do “alvo” por muito mais tempo que um satélite (que acompanha os movimentos da Terra, e não consegue focar um ponto em contínuo durante o tempo necessário).
*Exclusivo PÚBLICO/Investigate Europe