Por Dan Faccio, diretor da Qualcomm Ventures para a América Latina
A tecnologia de agricultura (do inglês, Agricultural Technology ou simplesmente “AgTech”) vem emergindo como um ponto crucial de investimento na América Latina, mas esse ainda é um fenômeno recente
Assim como muitas outras indústrias antes dela, a introdução da tecnologia digital traz a promessa de transformações profundas e positivas para a agricultura. Mas a ideia de envolver computadores e software em um ambiente de fazendas ainda pode soar estranha. Ainda assim, a Qualcomm Ventures, o braço de investimentos da Qualcomm Inc., decidiu investir na Strider, uma startup brasileira no mercado de AgTech. E por que escolhemos investir nesse segmento?
Na Qualcomm Ventures, optamos por uma abordagem teórica na maioria de nossos investimentos. Isso significa que, mesmo antes de analisarmos quais startups buscam capital, nós tentamos identificar quais tendências e temas são relevantes, quais são os fatores de sucesso em novas indústrias e quais cadeias de valor são propensas a trazer a disrupção. Meu colega, Varun Jain, discutiu em seu blog que isso foi essencial em nosso investimento na Cruise, que foi adquirida há alguns meses pela GM por 1 bilhão de dólares.
Ainda que muitas outras empresas de Venture Capital também usem esse conceito de tese em suas estratégias de investimento, a Qualcomm Ventures tem a vantagem de usar de sua posição à frente dos desenvolvimentos tecnológicos sempre que analisa um investimento. A principal característica da Qualcomm é nossa habilidade de antecipar (e ajudar a formar) como tecnologias de ponta e aplicações vão evoluir. Quando aplicamos essa competência para o investimento de risco, ela nos ajuda a estabelecer posições ousadas em ambientes bastante incertos. Isso significa que estamos indo além de temas genéricos como “realidade virtual” ou “drones”, procurando investimentos que sejam associados a uma visão particular do mundo. Quais são os desafios que precisam ser superados no ramo da realidade virtual? Quando os drones forem uma realidade do mercado de massa, como isso afetará o consumo e quem vai sair ganhando? É muito desafiador responder a essas perguntas, mas nós acreditamos que prevermos tais respostas vai nos dar vantagem em nossos investimentos.
Na América Latina, uma das questões mais estratégicas que tentamos responder reside no espaço dos dispositivos industriais conectados – cada vez mais reconhecido como “Internet das Coisas Industrial” (IIoT). Devemos esperar que empresas da América Latina desenvolvam uma vantagem nesse setor? O continente tem um histórico de não possuir muitas vantagens estruturais ou tradicionais competitivas no desenvolvimento de sistemas industriais e hardware. Devemos esperar que ele o faça agora, nessa era de conectividade empresarial? Se sim, em quais áreas? A resposta para essas perguntas é o que nos levou à agricultura.
A mecanização do início do século XX e a “Revolução Verde” das décadas de 1950 e 1960 foram grandes fatores por trás do estouro da produção agrícola global. Mas agora vemos que a agricultura começa a encarar uma nova mudança tecnológica que tem o potencial de ser ainda mais inovadora: a revolução digital.
A adoção da ferramentas digitais em fazendas vem sendo empurrada pelo aprimoramento da experiência de usuário no que tange à interface. Esses desenvolvimentos vêm permitindo às fazendas, mesmo aquelas em locais mais isolados, abraçar algum nível de digitalização em seus processos operacionais e de gestão.
Após as revoluções química e mecânica, a digital é particularmente bem-vinda no mercado agro. Ela tem o potencial de trazer uma nova onda de aumento de produtividade, ao mesmo tempo que inaugura um novo nível de sustentabilidade. Uso mais eficiente da água, redução de agrotóxicos e vegetais mais saudáveis e saborosos – todos são objetivos pelo qual a AgTech pode lutar além de trazer grande evolução.
Nós enxergamos a América Latina – e, particularmente, o Brasil – como um terreno fértil para o desenvolvimento de empresas de AgTech. Há quem veja na região a falta de condições tradicionais e favoráveis para o desenvolvimento tecnológico. Contudo, essa falta é mais do que compensada pela demanda de mercado e potencial. Essa demanda (fazendeiros locais) pode ser uma alavanca para que startups de AgTech floresçam e evoluam localmente, aliado à habilidade de oferecer entregas mais favoráveis frente a competidores internacionais.
O espaço atual e aquele em potencial para a agricultura no Brasil é impressionante. O país já é o maior produtor e exportador de açúcar, café e suco de laranja, além de ser o segundo maior em grãos de soja, entre outras colheitas. E ainda assim, uma grande parte das terras férteis do país são usadas como pastos, o que indica que terras aráveis podem ser expandidas e pelo menos triplicar, sem impacto na vegetação nativa.
A adoção de novas tecnologias por fazendeiros no Brasil (ou qualquer outro lugar) não é, porém, algo trivial. De fato, há similaridades com o que já vimos na introdução de tecnologia na indústria pesada, o que é normalmente bastante conservador e exige a percepção de um retorno mais claro de investimento. Atuar na colheita de grãos de soja ou cana de açúcar é, naturalmente, uma atribuição industrial, onde algumas fazendas podem ter até ou mais que 15 mil acres cada (essa é a área de Manhattan). Isso significa que mesmo se uma fazenda possuir uma plataforma central de software, ela ainda enfrenta um desafio enorme para coordenar, coletar dados e gerenciar atividades em tempo real por toda uma área tão expandida de terra.
É por isso que acreditamos que a agricultura e a IoT industrial podem ser uma poderosa combinação. Nossa tese é a de que a introdução de dados autônomos e inovações em conectividade serão um dos catalisadores para a adoção de tecnologia digital em fazendas de grande porte na América Latina e globalmente. Isso vai de encontro ao foco de investimento da Qualcomm Ventures no que chamamos de “tecnologia de fronteira”, que inclui a Inteligência conectada, drones e outras inovações.
À medida que buscamos aprimorar e testar essa tese no mercado, não demorou muito para que fôssemos indicados à Strider por meio de diversas fontes. Nós já os tínhamos em nosso radar como uma startup relevante do setor de AgTech no Brasil, não nos surpreendemos que, após uma rápida reunião com o seu fundador, vimos que encontramos o que procurávamos.
Uma das coisas que julgamos únicas da Strider foi o fato de sua solução ter foco no aprimoramento da produtividade das fazendas de colheita por meio de uma combinação de hardware e software. Isso inclui tablets com aplicativos que permitem a exploradores fazerem a geo-coleta de dados sobre pragas e condições hídricas; sensores que rastreiam equipamento e medem a condição de solo e de chuva; e terminais SaaS onde toda essa informação pode ser aplicada para imagem via satélite e via drones para fins de rápida tomada de decisão. Além disso, a Strider compartilha de nossa visão de que compreender os fazendeiros e suas necessidades de um retorno exato de investimento é essencial em ser um provedor de serviços sustentável para a indústria. É isso que trouxe sucesso à Strider, tornando-a uma das maiores empresas de AgTech do mundo em termos de serviços prestados em acres. Seus clientes, hoje, são responsáveis por mais de 2 milhões de acres no Brasil, no Sul dos Estados Unidos e na Austrália.
Uma das principais razões que nos levou a investir na Strider é o fato dela estar no caminho para provar a nossa tese de que a IoT industrial possui um enorme potencial de desenvolvimento na América Latina para o agronegócio. Acreditamos que investimentos como esse não só serão financeiramente bem-sucedidos sob a ótica de uma empresa de venture capital, mas também permitirá à Qualcomm participar e contribuir com a revolução que os dispositivos conectados trarão à agricultura, tanto na América Latina como globalmente. A conectividade móvel estendida trazida por células menores e o desenvolvimento continuado do 4G para o 5G serão alguns dos fatores para isso. A Qualcomm já é líder nessas tecnologias e esperamos que a Qualcomm Ventures seja uma participante ativa para desenvolver e fomentar o avanço deste ecossistema.
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